Um dia na vida do seu corpo

31/08/2012 00:09


Cada coisa tem seu tempo. A velha frase resume com perfeição os princípios da cronobiologia, área científica que se firmou nos anos 60. Seu foco é o estudo dos ritmos biológicos do organismo. Em outras palavras, nas últimas décadas os cientistas descobriram que nosso corpo se adaptou, como o dos demais seres vivos, à alternância entre luz e escuridão que caracteriza as 24 horas de um dia. Nesse intervalo, uma série de reações fisiológicas é deflagrada, mas cada uma delas tem hora marcada para acontecer. O hormônio do crescimento é secretado especialmente à noite, exemplifica o neurocientista John Fontenele Araújo, coordenador do Laboratório de Cronobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Esse sobe e desce de substâncias se reflete na nossa disposição para desempenhar as tarefas cotidianas nesse ou naquele horário. Da mesma forma que a idéia de sermos acordados às 5 da manhã para comer uma feijoada nos parece indigesta, esforços físicos e intelectuais têm seus altos e baixos que devem ser levados em conta ao planejarmos nossas atividades, opina Luiz Menna-Barreto, professor da Universidade de São Paulo e um dos pioneiros no estudo da cronobiologia no Brasil.

Baseada nas recentes descobertas sobre o assunto, a escritora americana Jennifer Ackerman, especializada em divulgação científica, revela ao longo das páginas do livro Sex Sleep Eat Drink Dream, recém-lançado nos Estados Unidos, a hora certa para a prática de esportes ou para agendar uma visita ao dentista, entre outros compromissos.

Além de afiar a performance nas mais variadas atividades do dia-adia, as recentes descobertas sobre os ciclos que comandam o organismo vêm contribuindo para o desenvolvimento de novos remédios e melhoras no tratamento de algumas doenças.A cronobiologia tem demonstrado que alguns sintomas ocorrem com maior intensidade em determinadas horas do dia, explica o neurocientista John Fontenele Araújo. Dessa forma, pode-se ajustar as doses de um medicamento de acordo com os picos de incidência de um mal ou sintoma ao longo das 24 horas. É o caso da pressão alta.

A pressão geralmente dispara nas primeiras horas da manhã, o que explica uma maior ocorrência de infartos e derrames nesse período. Assim, algumas drogas para controlar o problema devem ser engolidas logo depois de o sol nascer. Os ataques de asma são outro exemplo flagrante. Eles costumam vir à tona durante a madrugada. Daí, não é de estranhar a recomendação para os asmáticos se valerem da medicação específica para combatê-los à noite.

O tratamento de tumores é outro foco das pesquisas da cronobiologia, mais especificamente da cronofarmacologia, que estuda a ação de remédios de acordo com os ponteiros fisiológicos do corpo. Os pesquisadores procuram descobrir um horário em que somente as células cancerosas sejam sensíveis às drogas, explica o neurofisiologista José Cipolla- Neto, da Universidade de São Paulo. Dessa forma, as células sadias seriam poupadas dos efeitos tóxicos da medicação.

Os hospitais mais modernos já se renderam aos ensinamentos dessa área científica. Em alguns deles, até os prédios foram projetados seguindo seus critérios. Antes se pensava que as UTIs, por exemplo, tivessem de ser totalmente isoladas. Não era importante para o paciente saber se era dia ou noite, conta Fontenele. Hoje muitas dessas unidades já apresentam janelas e, como dá para perceber o ciclo dia-e-noite, os doentes melhoram rápido. Não à toa. Em contato com a luminosidade natural, quem está hospitalizado fica, assim, sincronizado com a luz solar. No final das contas, isso provoca um ajuste dos ponteiros do relógio biológico, porque o indivíduo permanece desperto de manhã e à tarde e, depois que a noite cai, adormece. E manter o nosso tique taque natural regulado é fundamental para conservar ou recuperar a saúde.

Nosso relógio biológico atende pelo estranho nome de núcleo supraquiasmático e está localizado no hipotálamo, lá no meio do cérebro. A claridade do dia impede que ele acione a glândula pineal, também situada naquela região. Já ao anoitecer, essa estrutura começa a liberar a melatonina, que é mais conhecida como o hormônio do sono. Além dessa nobre função, a substância desempenha outros papéis de destaque no organismo. Em suma, agiria como um regente dos ritmos internos do corpo.

Quando está sendo produzida, a melatonina sinaliza para o ser humano que anoiteceu. Sua liberação varia de acordo com a duração da noite, algo estritamente relacionado às estações do ano no inverno, os períodos de escuridão são maiores; no verão, mais curtos, e por aí vai. Na calada da madrugada, ao atingir seu pico na circulação, a melatonina prepara as células para receber, horas depois, boas doses de insulina, a encarregada de abastecê-las de açúcar. Ela também programa os turnos de trabalho do pâncreas, a glândula que fabrica esse hormônio, para coincidir com o período de vigília, momento em que estamos mais ativos e necessitamos de energia para manter o pique.

Sua ação contra os radicais livres, moléculas que danificam o DNA, impressiona os especialistas. A melatonina tem poder antioxidante maior do que as vitaminas C e E, diz José Cipolla- Neto. Nos bastidores, recruta enzimas capazes de reparar os estragos infligidos ao material genético. Assim, não é de estranhar o fato de muitos cientistas a considerarem uma aliada e tanto na luta contra tumores, especialmente aqueles que se alimentam de estrógeno, caso de alguns cânceres de mama seu efeito benéfico se dá pelo bloqueio dos receptores desse hormônio feminino. Já que o assunto é proteção, também é preciso dizer que a melatonina facilita a divisão de células de defesa, como os linfócitos. Por fim, funciona como um anti-hipertensivo.

A questão é: com o avanço da idade, seus níveis despencam. Por isso, não é mera coincidência certos males, como a pressão alta, acometerem com maior frequência pessoas idosas. Mas sua versão sintética é proibida no Brasil. Talvez seja hora de rever isso, opina Cipolla-Neto. De qualquer forma, respeitar os ritmos do organismo inclusive dormindo bem para assegurar o aporte de melatonina ainda é a melhor maneira de garantir muita disposição. Em todas as horas. E por toda a vida.

 


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